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19 de Abril de 2024

Distrato/Rescisão Contratual: Justiça de São Paulo anula distrato abusivo e condena incorporadora LIVING na restituição de 80% dos valores pagos

Em caso atípico, a Justiça de São Paulo anulou cláusula de irrevogabilidade no distrato, impondo à incorporadora a restituição à vista de grande parte dos valores pagos pelo comprador, acrescido de correção monetária e juros de 1% até a efetiva devolução.

Processo nº 1022284-54.2015.8.26.0100

Considerando que todo contrato de promessa de venda e compra de imóvel na planta além de ser típico Contrato de Adesão, possui cláusulas nitidamente leoninas e abusivas, em flagrante desrespeito às normas de proteção do consumidor, sendo importante lembrar que nenhum consumidor é obrigado a respeitar veladamente esse tipo de cláusula em distrato imobiliário celebrado na esfera extrajudicial perante a incorporadora.

Tendo em vista essas premissas e consolidando entendimento dominante, a Justiça de São Paulo mais uma vez reafirma posição no sentido de que a incorporadora não pode onerar demasiadamente o comprador/consumidor, devendo-se impor a devolução de grande parte dos valores pagos.

A situação analisada veio da Cidade de Santos, em São Paulo, envolvendo imóvel na planta da incorporadora Living, pertencente ao grupo econômico Cyrela.

Um casal de compradores de imóvel residencial na planta, por não mais suportar a continuidade de pagamentos, decidiu por assinar um instrumento de distrato perante a incorporadora.

A compra ocorreu no empreendimento Condomínio Way Orquidário, em 25 de março de 2013, nas dependências de estante de vendas da incorporadora Living.

Os adquirentes honraram as parcelas contratuais até o mês de outubro de 2014, pagando R$ 82.259,00.

Ao procurar a incorporadora para analisar a possibilidade de um distrato amigável, foram informados que da integralidade dos valores pagos, a Living somente admitiria restituir metade das importâncias.

Tendo em vista que os compradores, à época, se encontravam em situação econômica bastante desfavorável, assinaram o documento, mas não sem antes perguntar à incorporadora se haveria alguma forma de excluir cláusula do distrato através da qual declaravam se comprometer em não processá-la judicialmente para rediscutir os termos do distrato.

Um funcionário do departamento financeiro da incorporadora foi categórico em registrar por e-mail que os termos do distrato eram previamente formatados e que não seriam alterados em hipótese alguma, sendo certo que ou os compradores o admitiriam ou então teriam seus nomes lançados no rol de maus pagadores da SERASA, o que poderia comprometê-los em seus respectivos empregos.

Sem saída, os compradores assinaram o distrato, percebendo da vendedora apenas 50% dos valores pagos.

Inconformados com o modus operandi praticado pela empresa, decidiram procurar o Poder Judiciário para condená-la na restituição de grande parte desses valores.

O escritório MERCADANTE ADVOCACIA ingressou em fevereiro de 2015 com ação de restituição de quantias pagas para discutir a clara invalidade da cláusula do distrato que permitiu uma retenção de metade dos valores pagos, objetivando uma condenação de 90% dos valores pagos no “Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra de unidade autônoma”, considerando, dentre outros argumentos favoráveis à situação, evidente abuso de poder econômico praticado pela incorporadora Living.

Na defesa, a incorporadora praticamente reafirmou sua posição dominante no contrato e que as cláusulas assinadas pelas partes deveriam ser respeitadas nos termos do documento, pouco ou nada importando a legislação do consumidor e o entendimento jurisprudencial dominante para situações atípicas como aquela.

Do entendimento judicial sobre o assunto:

A Juíza de Direito da 25ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, Dra. Leila Hassem da Ponte, rejeitou a frágil argumentação da incorporadora, registrando que:

“A questão primária (mas que não e objeto de pedido nessa ação) é a rescisão do contrato. E tal se dá não com base na teoria da imprevisão ou vício de consentimento, mas diante da impossibilidade de o comprador continuar suportando o pagamento das prestações contratadas, devidamente reajustadas.”

O art. 53 da Lei nº 8.078/90 é claro ao dispor que nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Ora, no caso presente, o contrato celebrado entre as partes, prevê cláusula aparentemente bem estruturada, que indiretamente determina a perda quase total dos valores pagos.

A ré faz tábula rasa ao disposto no art. 53 do CDC, pois, diante da proibição de perdimento total, previu, em contrato de adesão, que os compradores excluídos teriam o direito de receber, em devolução, parte mínima do que foi pago. A diferença de uma ou outra disposição é ínfima.

Não se justifica, assim, a aplicação incondicional da cláusula prevista no instrumento, que tem nítido caráter penal exagerado. Trocando em miúdos, a cláusula se mostrou excessivamente onerosa para o autor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e as outras circunstâncias peculiares do caso (cf. Art. 51, § 1º, III, do CDC), podendo ser assim declarada sua nulidade de pleno direito, até de ofício, pois o CDC constitui lei de ordem pública (art. 1º).

É evidente que o adquirente não teve a oportunidade de discutir a cláusula que foi enquadrada no instrumento da avença, materializado em contrato de adesão. É evidente, também, que a cláusula penal mencionada se tornou extremamente rigorosa, diante das circunstâncias levantadas, isto é, acerca do pagamento de parcela do preço que deverá permanecer com a ré, a despeito da rescisão contratual. Desta feita, impera no caso a regra pela qual as cláusulas do contrato de adesão, máxime as acessórias de caráter leonino, devem ser interpretadas contra a parte que as ditou, favoravelmente àquela que aderiu. E, cuidando-se de relação jurídica de consumo, "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor" (artigo 47 do CDC).

Tratando-se de imóvel em construção, indiscutivelmente, a ré poderá vender a mesma unidade a outra pessoa, sem sofrer prejuízo em decorrência da rescisão contratual. É possível, até mesmo, que venha a vender em melhores condições.

Ao final, a Juíza CONDENOU A INCORPORADORA LIVING na restituição de 80% (oitenta por cento) dos valores pagos pelos compradores no “Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra de unidade autônoma”, corrigidos monetariamente desde cada pagamento e com juros legais de 1% ao mês, abatendo-se a importância paga no distrato, ”

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário)

www.mercadanteadvocacia.com

http://mercadanteadvocacia.com/decisao/subtitulo-1/

INCC o inimigo silencioso do comprador e financiamento bancrio

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Manuela Ferreira, Advogado
Artigoshá 3 anos

Se eu estiver inadimplente com a construtora ela tem o direito de reter as minhas chaves?

2 Comentários

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Colegas,

Antes de mais nada agradeço imensamente pela troca de ideias.

Recentemente observei um caso de abusividade contratual em compromissos de compra e venda de apartamentos em construção que vale ser lembrado ... como sói acontecer nesses contratos adesivos, o “quadro resumo” define pagamento de parcelas anteriores à entrega das chaves e outra maior, via de regra, financiável para uma data fixa, que, em tese, deveria coincidir com a data “prevista” para a entrega da obra.

Mas eis que .... a obra atrasa... então, resta subentendida a suspensão dessa parcela certo ? Certo, mas ... mas qual seria o novo prazo ? Essa informação é essencial, pois o inadimplemento levaria à rescisão por culpa do comprador ... muito sério haja vista as consequências !

Pois bem: aí cinge a controvérsia: para que o novo prazo seja fixado, até mesmo por questão de boa-fé, caberia exigir da construtora que provasse a notificação dos compradores apresentando novo prazo para a conclusão da obra, mas não só: da data da entrega das chaves e da regularização documental do imóvel de forma a viabilizar o trâmite de obtenção do financiamento. E esse trâmite existe, a construtora sabe disso – tanto que na maioria das vezes indica um “agenciador/intermediador”. Se tudo estiver ok, o prazo costuma ser de 30 a 60 dias.

A razão para que o prazo só se inicie após a perfeita regularização documental do imóvel (que é obrigação da vendedora) esteja ok é óbvia: sem a entrega dos documentos exigidos pelo agente financeiro – leia-se: habite-se, matrícula individualizada do imóvel, baixa de eventuais gravames oriundos de garantias dadas pela vendedora do imóvel para a construção – sequer inicia o processo de autorização do financiamento.

Mas o que vi, e este não é um caso isolado, é que, após o atraso, e longo período sem notícias ou previsões de entrega, a construtora notifica o comprador para o pagamento da parcela financiável em 15 dias – isso mesmo: 15 - sob pena de rescisão contratual.

No caso em que atuo, obviamente, após ser notificado (apenas para pagamento; nada de se falar em entrega de chaves, etc) meu cliente esperneou para conseguir o financiamento em 15 dias. Foi diligente todos os dias atendendo às exigências do intermediador imposto pela construtora, mas eis que ao final dos 15 dias foi informado da rescisão, e de que deveria procurar seus direitos.

Simples assim, prático, coincidentemente acontecendo na época em que o imóvel estava supervalorizado pela conclusão. Ele foi vendido para terceiro, segundo meu cliente (o que não fui averiguar mas é provável que tenha mesmo ocorrido).

Pois bem: aparentemente, as construtoras, inadimplentes contumazes, estão agora, mais que nunca, se valendo desse suposto atraso de pagamento de parcela financiável (com fundamento na cláusula de rescisão que determina a notificação para pagamento em 15 dias) para retenção de valores pagos (sabe-se lá quando pretendem devolver menos de 50% do valor pago; ainda não vi uma iniciativa sem provocação) e ainda vendem o imóvel por valor muito maior do que o contratado o compromisso de compra e venda ... configurando enriquecimento sem causa.

Então, em resumo, temos: havendo atraso da obra, a notificação com a obrigatoriedade de pagamento da parcela financiável em 15 dias, muitas vezes sem qualquer prova de regularidade documental, é mesmo disposição abusiva, haja vista a provável impossibilidade de obtenção de financiamento que nesse período, mesmo porque o comprador sequer pode antever e se preparar nesse sentido.

A meu ver, o que se deve exigir, é que vendedora prove que notificou o comprador da conclusão da obra e que a documentação do imóvel estava, à época da notificação, em prefeita ordem para que o comprador iniciasse o pedido de financiamento. Aí, sim, a notificação deveria conter novo prazo razoável para o pagamento da parcela financiável. É o que devemos argumentar a favor do cliente.

Espero ter contribuído com colegas que iniciam nesta área. Desculpo-me antecipadamente pelo coloquialismo, mas, se a ideia é a troca de experiências, creio que o importante seja expor experiências, sem rigoroso preciosismo, razão pela qual vai o texto, tal qual redigido, sem revisão que o atrasaria. continuar lendo

Bem lembrado Ana Lúcia. Um dos problemas enfrentados por qualquer adquirente de imóvel na planta reside justamente no momento da conclusão e entrega dos empreendimentos. Não raras vezes as incorporadoras, em geral, simplesmente alteram o índice de correção (INCC) imediatamente após a obtenção do "habite-se" e passam a também incidir juros de 1%, só que, detalhe: a documentação do imóvel NÃO está pronta, pois faltam documentos da vendedora e do imóvel e mesmo assim continua-se a majorar o saldo devedor do comprador com a aplicação indevida de encargos (multa e juros), o que caracteriza: ilegalidade; arbitrariedade, abuso de poder econômico pela vendedora, sem prejuízo de outros elementos condizentes com a má-fé nesse aspecto. continuar lendo